Agência ZeroUm12 de set. de 20225 min de leituraO legado da monarquia britânica no mundoO legado, a história e a transição. A Monarquia à Inglesa.A política do jogo de xadrez em torno da rainha. Foto: Pixabay.Elizabeth II foi uma estadista singular, sem dúvidas, mas responsável por ações e manutenção do modelo, bem como tomadas de decisões extremamente sensíveis para com a realidade do continente africano, para com o Egito, Irlanda do Norte e países das Américas. De certo, não há o que se comemorar. Na falta da vida e nas muitas vidas ceifadas, perseguidas e não permitidas, rende-se apenas lamentos.Mas então, o que foi o reinado da monarca mais longeva do Reino Unido? É justamente sobre como se constituiu este governo, em que bases se apoiou e qual impacto e heranças deixou para os povos colonizados é que iremos tratar nesta matéria. Seria inviável reduzir a apenas um texto a análise de 30 anos. Neste primeiro momento, iremos abordar os aspectos da Cultura de Massa, da Romantização e da Influência Estadista exercida pelo seu governo.A Cultura de MassaA tradição, a mídia e toda indústria cultural com grande penetração nas massas (e nesse ponto entendemos: com grande aceitação das pessoas daquele lugar e que se reconhecem iguais ou parte) criou o mito do rei. O ser romântico que cuida de seu povo, aquele que luta, oferece a vida em troca para que seu povo não seja sacrificado. Aquele que deixa a sucessão à pequena princesa que vai aprender com o povo como é reinar, governar. Aquele que sabe das pequenas e boas decisões sempre.Todo este enredo rendeu diversas 'estórias' (escrita neste sentido por retratar o irreal) para empresas situadas em Hollywood, por vezes à Disney com filmes e parques temáticos, e também a Pequenas Produções com grande repercussão. Estes filmes e desenhos, aos milhares, estão espalhados e são exibidas exaustivamente nas TVs e aplicativos de filmes e séries do mundo inteiro. Fica, assim, criado o mito de um ser singular, sacralizado e a quem se deve seguir com obediência e respeito. A RomantizaçãoAs questões introduzidas com o enredo e cenário acima, além da pouca ou falta de informações (associadas a repressões) criou o pano de fundo para que alguns questionamentos ocorressem em momentos emblemáticos. Um destes foi o surgimento do Punk Rock Inglês com letras centradas na monarquia. Era preciso tirar a sacralidade empostada à rainha e, por isso, as letras e o ritmo eram inconfundíveis, bem como um combustível explosivo para uma juventude revoltada que vivendo em um país em crise, obrigado a recorrer a empréstimos do Fundo Monetário Internacional (FMI).O outro foi em um momento bem posterior, a morte de Lady Di. A mulher que abdicou da monarquia e expôs crises internas do palácio de Buckingham. Entretanto, a queda de braços - ao longo do tempo - pendeu para os que estão no castelo e a monarquia seguiu 'inabalada' contornando, inclusive, escândalos sexuais e entrevistas polêmicas de ex-membros.Entretanto, não se pode deixar apenas em foco o que se percebe hoje em relação ao grau de desenvolvimento e de influência britânica, e sim como a mesma foi construída, se apoia e mantém seu poder até hoje: A Inglaterra do século XXI continua sendo responsável pela colonização de mais de 70 territórios. Pela interferência direta nos rumos destes países por interferir na cultura, língua, tradição, costumes e vidas destes povos. Este reinado que se encerra é corresponsável pela extração e pela estagnação política e econômica destes países até hoje. Não criou potências. EUA e Austrália tiveram histórias e condições diferentes e nenhum planejamento para que se tornassem o que são hoje.O império inglês deve ser visto e entendido com todos os custos que envolveu. Responsável por todas as vidas que ceifou no combate às rebeliões que enfrentou. Responsável pelos regimes que apoiou na África, na Alemanha. A violência foi companheira marcante nos processos e silenciado pelos aliados do ocidente que comungavam do mesmo modo de pensar e agir. E, mais uma vez, disso não podemos esquecer, e isso não se pode comemorar.A influência estadistaPara além do modo como a potência da Inglaterra como país foi construída, existe o estado fortalecido e a Potencial Mundial que se tornou. Observando a capacidade militar que demonstrou, podemos tomar dois pontos como referência:No que diz respeito ao recorte histórico do Brasil, vale ressaltar que os britânicos foram avalistas da 'independência do Brasil', mesmo que anteriormente tivessem sido responsáveis pela 'proteção da família real portuguesa' diante de um Napoleão expansionista e em guerra pela Europa. A Inglaterra segundos seus domínios e poderio foi capaz de construir uma estrutura mundial de cooperação econômica/militar conhecida como Commonwealth que abriga 53 países. E ainda exerce forte influência e controle sobre seus territórios.É essa Inglaterra capaz de orquestrar, organizar e ditar regras que precisamos entender. Avançando na linha do tempo/história e alcançando os séculos XX e XXI, após os EUA se assumirem como Super Potência Mundial (pós-segunda grande guerra), a Inglaterra continuou a ser um parceiro estratégico e influente militarmente e na economia mundial. Para ilustrar podemos retomar o peso e a condição de 'avalista' do processo que viria a se consolidar que o país recebeu quando da entrada do Reino Unido na União Europeia. Um país com moeda forte, estável e com um forte aliado e parceiro comercial: EUA. Todavia, não podemos deixar, também, de registrar o impacto da sua saída na estabilidade do Euro frente ao Dólar, além da instabilidade social e econômica que gerou em toda Europa.Neste ponto, abra-se um parêntese importante, o BREXIT (como ficou conhecida a saída inglesa da união dos países europeus) é um fator que extrapolou a questão sistemática monetária. A saída dos ingleses reascendeu e inflamou questões raciais, religiosas e xenófobas no Reino Unido e nas relações em que ele se encontra. Foram dias violentos que trouxeram de volta lembranças das lutas de quase 30 anos do IRA (Exército Republicano Irlandês) contra o Regime Monarca comandado por Elizabeth.A situação em si foi tão preocupante que, em comunicado conjunto, os partidos que dividem o poder e a cena política na Irlanda do Norte divulgaram uma nota informando: "Não podemos permitir que uma nova geração se torne vítima ou seja perseguida por alguns que preferem as sombras à luz." O Futuro e parte do PresenteA morte da monarca traz alguns questionamentos sobre a força política que os ingleses conseguirão demonstrar diante de um momento de troca do premier.Uma recente decisão pode ser sinal de que outras mudanças possam ainda ocorrer. Em novembro de 2021, Barbados decidiu se separar de um passado britânico do qual se tornou independente em 1966 e se tornou república, saindo, assim, da Commonwealth. Os próximos passos, meses e anos dirão como o até então príncipe conseguirá se alinhar à nova primeira-ministra na condução dos temas e questões internacionais. A rainha que sai de cena conseguiu construir um império e manter sob o holofote, até então, com a política adotada a versão romântica de um reinado cuja história 'não foi passada a limpo'. No mundo, primaveras surgem em momentos de transição. Daqui a alguns meses será primavera no hemisfério norte.Bruno VelascoJornalista, Pesquisador e DocumentaristaAgência ZeroUm
O legado, a história e a transição. A Monarquia à Inglesa.A política do jogo de xadrez em torno da rainha. Foto: Pixabay.Elizabeth II foi uma estadista singular, sem dúvidas, mas responsável por ações e manutenção do modelo, bem como tomadas de decisões extremamente sensíveis para com a realidade do continente africano, para com o Egito, Irlanda do Norte e países das Américas. De certo, não há o que se comemorar. Na falta da vida e nas muitas vidas ceifadas, perseguidas e não permitidas, rende-se apenas lamentos.Mas então, o que foi o reinado da monarca mais longeva do Reino Unido? É justamente sobre como se constituiu este governo, em que bases se apoiou e qual impacto e heranças deixou para os povos colonizados é que iremos tratar nesta matéria. Seria inviável reduzir a apenas um texto a análise de 30 anos. Neste primeiro momento, iremos abordar os aspectos da Cultura de Massa, da Romantização e da Influência Estadista exercida pelo seu governo.A Cultura de MassaA tradição, a mídia e toda indústria cultural com grande penetração nas massas (e nesse ponto entendemos: com grande aceitação das pessoas daquele lugar e que se reconhecem iguais ou parte) criou o mito do rei. O ser romântico que cuida de seu povo, aquele que luta, oferece a vida em troca para que seu povo não seja sacrificado. Aquele que deixa a sucessão à pequena princesa que vai aprender com o povo como é reinar, governar. Aquele que sabe das pequenas e boas decisões sempre.Todo este enredo rendeu diversas 'estórias' (escrita neste sentido por retratar o irreal) para empresas situadas em Hollywood, por vezes à Disney com filmes e parques temáticos, e também a Pequenas Produções com grande repercussão. Estes filmes e desenhos, aos milhares, estão espalhados e são exibidas exaustivamente nas TVs e aplicativos de filmes e séries do mundo inteiro. Fica, assim, criado o mito de um ser singular, sacralizado e a quem se deve seguir com obediência e respeito. A RomantizaçãoAs questões introduzidas com o enredo e cenário acima, além da pouca ou falta de informações (associadas a repressões) criou o pano de fundo para que alguns questionamentos ocorressem em momentos emblemáticos. Um destes foi o surgimento do Punk Rock Inglês com letras centradas na monarquia. Era preciso tirar a sacralidade empostada à rainha e, por isso, as letras e o ritmo eram inconfundíveis, bem como um combustível explosivo para uma juventude revoltada que vivendo em um país em crise, obrigado a recorrer a empréstimos do Fundo Monetário Internacional (FMI).O outro foi em um momento bem posterior, a morte de Lady Di. A mulher que abdicou da monarquia e expôs crises internas do palácio de Buckingham. Entretanto, a queda de braços - ao longo do tempo - pendeu para os que estão no castelo e a monarquia seguiu 'inabalada' contornando, inclusive, escândalos sexuais e entrevistas polêmicas de ex-membros.Entretanto, não se pode deixar apenas em foco o que se percebe hoje em relação ao grau de desenvolvimento e de influência britânica, e sim como a mesma foi construída, se apoia e mantém seu poder até hoje: A Inglaterra do século XXI continua sendo responsável pela colonização de mais de 70 territórios. Pela interferência direta nos rumos destes países por interferir na cultura, língua, tradição, costumes e vidas destes povos. Este reinado que se encerra é corresponsável pela extração e pela estagnação política e econômica destes países até hoje. Não criou potências. EUA e Austrália tiveram histórias e condições diferentes e nenhum planejamento para que se tornassem o que são hoje.O império inglês deve ser visto e entendido com todos os custos que envolveu. Responsável por todas as vidas que ceifou no combate às rebeliões que enfrentou. Responsável pelos regimes que apoiou na África, na Alemanha. A violência foi companheira marcante nos processos e silenciado pelos aliados do ocidente que comungavam do mesmo modo de pensar e agir. E, mais uma vez, disso não podemos esquecer, e isso não se pode comemorar.A influência estadistaPara além do modo como a potência da Inglaterra como país foi construída, existe o estado fortalecido e a Potencial Mundial que se tornou. Observando a capacidade militar que demonstrou, podemos tomar dois pontos como referência:No que diz respeito ao recorte histórico do Brasil, vale ressaltar que os britânicos foram avalistas da 'independência do Brasil', mesmo que anteriormente tivessem sido responsáveis pela 'proteção da família real portuguesa' diante de um Napoleão expansionista e em guerra pela Europa. A Inglaterra segundos seus domínios e poderio foi capaz de construir uma estrutura mundial de cooperação econômica/militar conhecida como Commonwealth que abriga 53 países. E ainda exerce forte influência e controle sobre seus territórios.É essa Inglaterra capaz de orquestrar, organizar e ditar regras que precisamos entender. Avançando na linha do tempo/história e alcançando os séculos XX e XXI, após os EUA se assumirem como Super Potência Mundial (pós-segunda grande guerra), a Inglaterra continuou a ser um parceiro estratégico e influente militarmente e na economia mundial. Para ilustrar podemos retomar o peso e a condição de 'avalista' do processo que viria a se consolidar que o país recebeu quando da entrada do Reino Unido na União Europeia. Um país com moeda forte, estável e com um forte aliado e parceiro comercial: EUA. Todavia, não podemos deixar, também, de registrar o impacto da sua saída na estabilidade do Euro frente ao Dólar, além da instabilidade social e econômica que gerou em toda Europa.Neste ponto, abra-se um parêntese importante, o BREXIT (como ficou conhecida a saída inglesa da união dos países europeus) é um fator que extrapolou a questão sistemática monetária. A saída dos ingleses reascendeu e inflamou questões raciais, religiosas e xenófobas no Reino Unido e nas relações em que ele se encontra. Foram dias violentos que trouxeram de volta lembranças das lutas de quase 30 anos do IRA (Exército Republicano Irlandês) contra o Regime Monarca comandado por Elizabeth.A situação em si foi tão preocupante que, em comunicado conjunto, os partidos que dividem o poder e a cena política na Irlanda do Norte divulgaram uma nota informando: "Não podemos permitir que uma nova geração se torne vítima ou seja perseguida por alguns que preferem as sombras à luz." O Futuro e parte do PresenteA morte da monarca traz alguns questionamentos sobre a força política que os ingleses conseguirão demonstrar diante de um momento de troca do premier.Uma recente decisão pode ser sinal de que outras mudanças possam ainda ocorrer. Em novembro de 2021, Barbados decidiu se separar de um passado britânico do qual se tornou independente em 1966 e se tornou república, saindo, assim, da Commonwealth. Os próximos passos, meses e anos dirão como o até então príncipe conseguirá se alinhar à nova primeira-ministra na condução dos temas e questões internacionais. A rainha que sai de cena conseguiu construir um império e manter sob o holofote, até então, com a política adotada a versão romântica de um reinado cuja história 'não foi passada a limpo'. No mundo, primaveras surgem em momentos de transição. Daqui a alguns meses será primavera no hemisfério norte.Bruno VelascoJornalista, Pesquisador e DocumentaristaAgência ZeroUm